sábado, 27 de abril de 2013

Diálogo de um monólogo


-Que foi aquilo?
-Aquilo o que?
-Tobogã, abismo, buraco do tempo... grotões. Parecia mais trailer do filme “Viagem ao Centro da Terra 3”..
-...
-O gato comeu sua língua? Não lembra? Então dê uma olhada aqui.
-Menos babaquice, por favor, senão encerro este monólogo.
-Não seria de se estranhar. Coisa bem sua, né mesmo? Seu lado rousseff.
-Vou ignorar a piadinha. Porque esse patrulhamento?
-Patrulha... o cacete! A gente se conhece faz tempo. Fomos “criados” juntos, esqueceu? Tem mais coisa embaixo desses neurônios do que o acordão do mensalão... fala, vai.
-Ah...não sei ao certo. O clima do show? Elis foi um marco na minha vida. Representa muita coisa. Assim como Fidel, Edu Lobo, Guevara, o “Navio Negreiro”, a poesia de Vinícius, livros de Freud, músicas de Vandré, a SQS114, porres no Salamanca & Beirute, o Rosacruz, a coleção do Jorge Amado + os diálogos de Platão, a UNE & CASEB, os sonhos harmônicos do Clube de Jazz&Bossa, Elvis & Rolling Stones, o paradoxo familiar entre um pai comunista/mãe do SNI... ainda tinha uma perdigueira, com nome e pedigree “tchecos” – e com olhos verde-angelina – que era passional a ponto de, toda vez que nos “desentendíamos”, mijava na minha cama... tipo remarcando território. Convivi com tudo isso, junto e misturado, num espaço/tempo de uns 12 metros quadros em meu quarto, numa Brasília dos idos de 196alguma coisa. E eu nem tinha 18. (1)
-Carente?
-Hummm... não!
-Recaída!
-Depois dos sessenta a gente só tem recaida de pneumonia; ou então quando tropeça, mais de uma vez, no mesmo degrau.
-Realismo piegas?
-Quem me dera tantas “Emoções”.
-Então por que a cantilena?
-Frustração...!?!
-De?
-Não é “de”. Pode até ser “dó”... sustenido, semitonado, abaixo de um “ré”, na escala harmônica das ideologias!
-Ptuz! Que diabos vem a ser isso?
-Parece, que com o tempo, a gente - ou eu - vai se auto-blindando para as coisas que remetem as ilusões...
-Reza a lenda, que por muito menos, Walt Disney, após a sua morte, mandou congelar seu corpo na esperança de...
-Vá... a... merda!
-Calma garoto, só estou tentando entender em que camada, da nossa consciência, tá rolando esse papo. Lembra da fala de Chuang-Tzu? Você mesmo que me “apresentou” a ele.
-"Há uma coisa como deixar a humanidade sozinha; nunca houve tal coisa como governar a humanidade com sucesso...”? O filósofo taoista, considerado, por muitos, como o primeiro anarquista da humanidade... mas na época eu via isso como simples filosofia.
-Acho que tu anda misturando as coisas. Tá confundindo meretrício com meritíssimo; pato ao tucupi, com entupiram o...
Tá! Chega... já entendi. Sua ironia não ajuda em porra nenhuma.
-?...!
-Tá bom! Não precisa fazer essa cara de ego ofendido. Desculpas pedidas... certo? Vou tentar explicar: o primeiro comunista que conheci – eu devia ter uns 5 anos de idade (ainda, morava em BH), vivia lá em casa e dormia com minha mãe. Suas irmãs o chamavam de Sinhô, mas seu nome era Venâncio Dantas. Meu pai. Naquela época, ser comunista era que nem, atualmente, torcer pelo Corinthians em um jogo na Bolívia.
-Não entendi o Sinhô... mas entendo, então,  que esse bla bla bla todo é saudade do pai?
-“Sinhô” é assunto pra outros solilóquios, mas não é tão simples assim. Sempre convivi num clima onde “ideologia” - assim como conceitos exotéricos – era parte da “Verdade”. E hoje cadê?
-Cadê o que cara? Cadê seu pai?
-Porra, cadê esses caras. Cadê os Josés Dirceus da turma de Ibiúna no XXX Congresso da UNE? Eram tantos... eram quase mil. Cadê Luís Travassos, presidente da UNE, Vladimir Palmeira, presidente da UME, e Antonio Ribas, presidente da UPES... Cadê os quase mil de Ibiúna?
-Mataram!
-Não... mataram todos não. Antônio Ribas, de fato desapareceu em 1973, na região do Araguaia, segundo declarações de seus próprios companheiros. Luís Travassos morreu, sim, no Rio de Janeiro, em um acidente de carro no Aterro do Flamengo. Vladimir Palmeira, tá vivo, e se desligou do PT em 2011, pois foi contra o retorno de Delúbio Soares ao partido. Dirceu... bem não precisa dizer nada. Como também não é preciso falar sobre Genoíno e outros tantos... quase mil. Cadê a Dilma, torturada no  DOI-Codi? Cadê a revolução cubana? Cadê o socialismo? Cadê o povo?  
-Ufa!... ¡Viva la revolución! Mas me perdoe a falta de informação, pois desses, citados acima, só sei mesmo onde anda o “povo”: nesse momento tá batendo pernas nos shoppings fazendo compras para o dia das Mães. No mais, quer um conselho? Não assista mais esse DVD da Maria Rita. Tu fica chato pra cacete.
-(          ); este espaço foi o tempo que levei, contando até dez pra não... deixa pra lá. E obrigado. Ainda bem que você não vive de vender conselhos, senão morreria de fome.
-Vou ignorar esses últimos comentários e considerá-los como uma falha de conexão entre nossas sinapses, mas entendo que, em verdade, a pergunta que você tá procurando pra suas respostas é: “Cadê eu mesmo?”.
-Tô procurando merda nenhuma. Quem começou a fazer perguntas foi você.
-Tudo bem... tudo bem, como sempre sou manipulado... mas pra encerrar, em paz, essa prosa, proponho que relembre um daqueles versinhos-musicais que você gosta tanto e, aí, juro que esqueço as bobagens que falou.
-OK: “O terreiro lá de casa não se varre com vassoura, varre com ponta de sabre e balas de metralhadora.”. É um trecho da música “Cantiga Brava” de Geraldo Vandré. Entendeu ou quer que eu comece a atirar.
-Desisto. Tu hoje tá difícil. Melhor encerrar essa prosa... tô indo lá pro bar do seu Zé beber uma cerveja. Acho bom você não me acompanhar, pois eu não aguento mais esse papo. Aliás, hoje, eu não te aguento mais.
-Foi você quem começou!
CDantas

(1) – Estas estórias, assim como tantas outras – estórias da minha História - estão sendo compiladas sob o título: “1947 – O ano em que voltei”, que compõem o primeiro volume, de um conjunto de três, provisoriamente intitulado “Muda-se”. O segundo “tomo”, do “Muda-se”, chama-se “Vai dá Merda” - já foi concluído (foi escrito no decorrer de 2011/12); o terceiro – “A Dispersão” – ainda está na fase de ideação. Tudo isso – o “Muda-se” –deverá estar pronto em breve – junho 2017. Se eu sobreviver até lá, você lerá.

Postado originalmente em 26 de Abril de 2013